sexta-feira, 8 de maio de 2009

O vinho de Nick Tosches

A nossa era é, cada vez mais, a era do pseudoconhecimento, o modo pelo qual tentamos tolamente nos diferenciar da maioria medíocre. Sentar-se ao redor de uma garrafa de suco azedo, falando de toques delicados de groselha-preta, fumaça de carvalho, trufas ou de qualquer outro absurdo refinado que a natureza teria usado para enriquecer o seu sabor é ser um cafone de primeira grandeza. Porque, se há algum toque delicado a ser percebido em qualquer vinho, é provável que seja o de pesticida e esterco. Sobre um Château Margaux 1978, um connaisseur pronuncia: “Após uma hora exposto ao ar, este vinho desabrocha, revelando aromas de cassis doce, chocolate, violetas, tabaco e doce baunilha acarvalhada. Em cerca de dez anos, este vinho pode evoluir para a clássica mistura Margaux de cassis, trufas negras, violetas e baunilha”. Como se isso não fosse absurdo o bastante, “um traço de pimentão se esconde no cassis”.
Como um nariz tão sofisticado pode não ter detectado a merda de vaca com a qual essa celebrada propriedade de Bordeaux fertiliza suas videiras? Um verdadeiro conhecedor de vinhos, se tal coisa existisse, detectaria o pesticida e o esterco antes de tudo: ele não seria um goûteur de vin, e sim um goûteur de merde. Mas não existe conhecimento real de vinho sem ser o daqueles que sabem que a verdadeira alma do vinho, l’âme du vin, é o vinagre. Só saboreia realmente maravilhas quem bebe, puros, aqueles raros vinagres envelhecidos, denominados da bere: a coisa pra valer, um néctar bem distante do suco glorificado dessa indústria de adjetivos e falsidade, que já foi a bebida simples e nobre de camponeses simples e nobres – bem mais nobres e conhecedores do que os otários endinheirados de hoje em dia, engambelados a acreditar que a degustação de vinho pede mais palavras do que “bom”, “ruim” ou “cala essa boca e bebe logo”.


(Nick Tosches, A última casa de ópio. Trad. Michele de Aguiar Vartuli. São Paulo, Conrad, 2006)

 

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